Café de laboratório se assemelha ao convencional

Por Décio Luiz Gazzoni, pesquisador da Embrapa, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica

Café é a bebida mais consumida no mundo, fruto de um hábito milenar. O fato de ser amplamente apreciada deriva, em grande parte, de seu complexo e sofisticado sabor, que gera uma sensação organoléptica agradável, fruto de inúmeras substâncias presentes na planta e ressaltadas no processamento do grão. Seria de esperar que algo tão sofisticado não pudesse ser replicado em laboratório.

Entretanto, a Ciência é pródiga em superar desafios, mesmo os que parecem impossíveis de sê-lo. Um dos segmentos da Ciência que mais tem avançado nos últimos anos é o que se poderia chamar de “agricultura celular”, em que células animais ou vegetais são tratadas em biorreatores para criar biomassa – como carne ou matéria vegetal – que é semelhante à que poderia ser criada através de práticas agrícolas tradicionais.

Biotecnologia

Usando técnicas de biotecnologia, cientistas do Centro de Investigação Técnica VTT, da Finlândia transformaram células de café arábica, cultivadas em laboratório, em uma bebida de café. Ainda se trata de uma prova de conceito, nada que satisfaça um gourmet refinado.

No centro de pesquisa VTT, os cientistas estabeleceram culturas de células de café em laboratório e as transferiram para biorreatores que geraram biomassa – ou seja, material físico de plantas de café. O material obtido foi colocado em uma bandeja e torrado em um forno.

A bebida obtida foi submetida a um painel sensorial treinado, que concluiu que a bebida obtida em laboratório se assemelhava a um café convencional. Entrementes, anotaram que ainda havia muito espaço para melhoras.

Mas, o desenvolvimento tecnológico é assim mesmo: demonstrado o conceito seguem-se os estudos para ajustes operacionais, melhoria de qualidade, escalabilidade e compatibilização de custos, até atingir o status de inovação.

Além da própria obtenção da biomassa de café, o desenvolvimento passa pelo processamento posterior, como a torrefação ou a fermentação. Dependendo dos protocolos estabelecidos para cada um desses processos, o blend final do café será diferente. Os cientistas do VTT projetam dispor de uma tecnologia pronta para uso comercial em quatro anos, com uso de reatores para até 100.000 litros em cada batelada.

O estágio atual dos estudos foi descrito em uma publicação recente. Novos avanços surgirão, a ponto de tornar a tecnologia comercialmente viável no médio prazo. Trata-se de uma ameaça significativa para a lavoura cafeeira, em todas as partes do mundo, seja no Brasil, Vietnam, Colômbia ou Jamaica.

Mas, em nosso entender, a produção em laboratório gerará bebidas de sabor convencional, para consumo em larga escala e para público pouco exigente. Sempre haverá um espaço comercial significativo para os cafés finos, especiais, com processamento exclusivo.

As duas grandes apostas para o futuro da cafeicultura se concentram na melhoria incremental da tecnologia cafeeira, provida pelos centros de pesquisa; e na adoção e melhoria constante dos sistemas de produção, por parte de cafeicultores investindo na produção de cafés finos.

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