A recente visita do comissário europeu Christophe Hansen ao Brasil não foi apenas mais uma missão diplomática de cortesia.
Foi um sinal claro e contundente de que a parte europeia já está com o pé no acelerador para o tão aguardado Acordo Mercosul-União Europeia.
A comitiva de Hansen, integrada por quase 80 empresas e associações do setor agroalimentar, veio prospectar oportunidades, fechar negócios e, acima de tudo, posicionar-se estrategicamente para quando as barreiras comerciais caírem.
A mensagem que fica é cristalina: enquanto o acordo ainda enfrenta obstáculos políticos e ambientais para sua ratificação final, o setor privado europeu não está esperando.
Eles estão agindo como se o tratado já estivesse em vigor, mapeando o terreno e construindo as pontes que lhes permitirão dominar o mercado assim que as portas se abrirem oficialmente.
O foco da missão foi de “alto nível”, envolvendo gigantes do setor.
A presença do luxemburguês Christophe Hansen, um nome-chave na comissão de comércio do Parlamento Europeu, confere um peso político inegável à iniciativa, mostrando uma rara sincronia entre os interesses públicos e privados da Europa.
Um mosaico de oportunidades europeias
A lista de empresas que desembarcaram em São Paulo é um verdadeiro catálogo da diversidade e sofisticação do agronegócio europeu.
Longe de ser uma delegação genérica, ela era composta por players específicos e poderosos de seus respectivos setores:
- Gigantes e Associações: A presença de pesos-pesados como Arla Foods (Dinamarca, laticínios), PHW Group (Alemanha, processados) e Remy Cointreau (França, vinhos e espíritos) mostra o interesse das grandes corporações.
 - Paralelamente, associações setoriais de enorme influência, como FoodDrinkEurope, spiritsEUROPE e a Associação Alemã da Indústria de Confeitaria (BDSI), vieram mapear o terreno para seus milhares de membros.
 - Especialidades e Denominações de Origem: A delegação trouxe produtos que são a alma da gastronomia europeia, muitos com proteção geográfica. Havia desde o Queijo Paški sir da Croácia e o Cognac Pierre de Segonzac da França, até o exclusivo Mástique de Quios da Grécia, uma resina vegetal única.
 
- Foco em Valor Agregado: A comissão não era focada apenas em commodities.
 
Havia uma forte representação de produtos processados e de nicho.
Empresas da Lituânia, como a OMG Bubble Tea, e da República Tcheca, como a BEERTOPIA Import, mostram a busca por segmentos específicos do consumidor brasileiro.
A italiana La Pizzeria e a polonesa Spomlek Dairy Cooperation ilustram a intenção de conquistar o mercado com produtos familiares, porém com um toque europeu.
Lições em miniatura: O Caso de Luxemburgo
A lição mais eloquente sobre a seriedade com que os europeus encaram essa oportunidade vem de um dos menores países do bloco: Luxemburgo.
Com uma população menor que a de muitas capitais brasileiras, inferior a 700 mil habitantes, o grão-ducado marcou presença na missão com duas empresas: as vinícolas Domaine L&R Kox e Domaine Alice Hartmann.
Ambas com o Crèment luxemburguês, que é destaque entre as bebidas espumantes.
Esse detalhe é fundamental. Se um país de dimensões tão modestas já está mobilizando sua indústria de nicho (vinhos espumantes) para buscar espaço no mercado brasileiro e sul-americano, imaginem o que estão fazendo potências como França, Alemanha e Itália, que trouxeram dezenas de representantes cada.
A presença luxemburguesa demonstra que a visão de mercado na Europa é granular, específica e extremamente agressiva.
Eles não estão vindo apenas para vender; estão vindo para estabelecer parcerias, investir e ocupar nichos antes mesmo que a concorrência local perceba a ameaça.
O outro lado da moeda: o Brasil precisa acordar para a oferta
Todo esse movimento gera um alerta urgente para o Brasil.
A narrativa tem sido excessivamente focada no que o acordo pode abrir para as exportações brasileiras, especialmente do agronegócio.
No entanto, a visita de Hansen deixa claro que o acordo é uma via de mão dupla, e os caminhões europeus estão prontos para entrar.
A pergunta que fica é: e as empresas brasileiras? Elas estão se estruturando para aproveitar a drástica redução de tarifas sobre produtos europeus?
A indústria nacional está prospectando quais produtos de Luxemburgo, Portugal ou Eslovênia poderiam ser interessantes para o consumidor brasileiro?
Enquanto a FIAB (Federação Espanhola de Indústrias de Alimentos e Bebidas) e a Coldiretti (maior associação de agricultores da Itália) estiveram representando seus interesses, onde estão as contrapartes brasileiras planejando a invasão do mercado europeu?
A abertura do mercado europeu para o Brasil é uma oportunidade histórica, mas não será um passeio livre.
Os consumidores europeus são exigentes, os padrões de qualidade e sustentabilidade são rigorosos e a concorrência local é forte.
Enquanto as empresas europeias já estão no Brasil, “farejando” o acordo e se preparando para a nova realidade tarifária, o setor produtivo brasileiro corre o risco de chegar atrasado à festa.
Conclusão: Mais do que ratificar, é preciso se preparar
A missão de Christophe Hansen foi um teste de fogo.
Mostrou que o setor privado europeu já internalizou o acordo e está operacionalizando sua estratégia.
O Brasil não pode tratar a ratificação do tratado como um fim em si mesmo. É apenas o começo.
O momento exige uma postura proativa do governo e, principalmente, da iniciativa privada.
É hora de formar comitês de comércio exterior, estudar o mercado europeu em seus mínimos detalhes, identificar demandas e preparar a oferta.
O exemplo de Luxemburgo, com seus dois vinícolas, e da Lituânia, com suas empresas de chá e grãos, deve servir como um poderoso lembrete: na guerra comercial do século XXI, não há participantes pequenos, apenas jogadores preparados.
E os europeus, como demonstrou a lista de 77 empresas, já estão em campo e em formação avançada.
*Por Roberta Zuge, Mestre e Doutora em Reprodução Animal pela Universidade de São Paulo (USP) e conselheira do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).
	    	

















