Nesta semana, a equipe de economistas da Allianz Research, divisão de pesquisa macroeconômica da Allianz Trade, líder mundial em seguro de crédito, divulgou um novo estudo analisando os impactos econômicos das secas causadas na agricultura devido às mudanças climáticas.
O documento Feeding a warming world: Securing food and economic stability in a changing climate alerta que, nas últimas três décadas, os desastres naturais aniquilaram uma estimativa de US$ 3,8 trilhões em produção agrícola e pecuária. Isso se traduz em um revés médio de US$ 123 bilhões a cada ano, aproximadamente 5% do PIB agrícola global.
Para colocar a escala em perspectiva, os autores analisam que as perdas agrícolas cumulativas durante este período são comparáveis a todo o PIB do Brasil em 2022.
Eles posicionam o setor no centro do desafio climático, como a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa e de uso da terra, e também o setor mais exposto às consequências das mudanças climáticas.
O caso do Brasil: soja e vazamento
Os economistas apontam que o Brasil se destaca em particular, não apenas pela escala de sua perda florestal, mas também pela dinâmica das commodities por trás dela.
A Figura 6c traça o desenvolvimento do desmatamento brasileiro ligado à cultura de soja.
A análise relembra que a partir de 2015, a produção de soja subiu de cerca de 100 milhões de toneladas para quase 120 milhões de toneladas, no entanto, o desmatamento relacionado à soja diminuiu em mais da metade no mesmo período.
Esse desacoplamento reflete a Moratória da Soja na Amazônia, um acordo de cadeia de suprimentos que restringiu a conversão direta de floresta amazônica para soja, reduzindo a participação de novos plantios em terras recentemente desmatadas em aproximadamente -1% até 2014, mesmo com o aumento da produção.
No entanto, os economistas afirmam que o sucesso dessa iniciativa não veio sem compensações (trade-offs): a pressão se espalhou (spill-over) para outros ecossistemas sensíveis, especialmente o Cerrado, uma savana onde a alta biodiversidade e o endemismo são ameaçados pela conversão contínua.
Modelos recentes sugerem que estender regras estilo moratória ao Cerrado poderia evitar a perda de mais de 3,6 milhões de hectares de vegetação nativa até 2050, embora sem medidas abrangentes, o vazamento (leakage) possa apagar até metade dos ganhos.
Expansão agrícola e desmatamento
O relatório mostra ainda que a expansão agrícola tem sido o motor mais importante da mudança no uso da terra ao longo do último século (Gráfico 6).
Desde 1900, tanto as terras cultiváveis quanto as pastagens se expandiram significativamente, com meados do século XX mostrando o crescimento mais acentuado à medida que a demanda global por alimentos e produtos pecuários se acelerou.
Enquanto as terras cultiváveis continuaram um aumento gradual desde a década de 1990, as pastagens permaneceram o componente dominante, sublinhando o peso da produção de carne e laticínios na moldagem das paisagens (Gráfico 6a).
O documento mostra que essa expansão de longo prazo está diretamente ligada à crescente trajetória do desmatamento (Gráfico 6b).
A perda anual de cobertura arbórea flutua com os ciclos regionais de incêndios e colheitas, mas a tendência agregada permanece alta, com Brasil, Canadá, Rússia e EUA consistentemente entre os maiores contribuintes.
O paradoxo da agricultura moderna
Um dos capítulos do documento reforça que a agricultura moderna incorpora uma profunda contradição: ela é indispensável para alimentar um mundo em crescimento, mas, ao mesmo tempo, mina os sistemas ecológicos dos quais depende.
Conforme os Gráficos 7 a, b, c e d abaixo, essa tensão surge em várias dimensões críticas.
A agricultura é responsável por cerca de 26% das emissões globais de gases de efeito estufa (Gráfico 7a).
Essa participação, embora menor do que a de setores não alimentares, é excepcionalmente difícil de descarbonizar porque está enraizada em processos biológicos, como as emissões do solo e a digestão do gado.
A pegada espacial do setor é igualmente notável.
Metade da terra habitável do planeta é agora dedicada à agricultura (Gráfico 7b), refletindo décadas de expansão de terras cultiváveis e pressão do pastoreio.
Isso ocorreu à custa de florestas e habitats naturais, alimentando a perda de biodiversidade e o desmatamento, particularmente em regiões tropicais, como o Brasil.
A agricultura é também a maior usuária de recursos de água doce (Gráfico 7c), respondendo por 70% das captações globais.
Essa dependência expõe os sistemas alimentares a riscos crescentes de seca, esgotamento de águas subterrâneas e variabilidade climática.
Finalmente, o escoamento de nutrientes de fertilizantes e esterco torna a agricultura o principal motor da eutrofização (Gráfico 7d), responsável por quase 80% do problema em todo o mundo.
O resultado é a poluição generalizada da água, a proliferação de algas (algal blooms) e as zonas mortas costeiras, com consequências em cascata para os ecossistemas e a saúde humana.
Para acessar o relatório completo em inglês, confira aqui.