A Taxonomia Sustentável Brasileira: Entre a Realidade e a Imposição Internacional, por Luís Rangel, do CCAS

A discussão sobre a sustentabilidade na agropecuária brasileira tem ganhado relevância, especialmente com a proposta da Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB).

A ideia de classificar atividades econômicas conforme seu impacto ambiental e social pode ser um instrumento poderoso para guiar investimentos sustentáveis.

No entanto, a abordagem adotada levanta preocupações, pois pode criar barreiras excessivas ao setor agropecuário, que já opera sob uma legislação ambiental rigorosa, como o Código Florestal.

Essa proposta está em consulta pública pelo Governo Federal até 31 de março de 2025 e precisa de uma leitura atenta e contribuições qualificadas do setor agropecuário.

A Câmara Temática do Agro Carbono do MAPA, desenvolve um trabalho de acompanhamento dessa proposta.

A necessidade de uma taxonomia sustentável é inquestionável, mas seu desenvolvimento deve considerar as especificidades do Brasil.

Importar modelos internacionais sem adaptação pode resultar em prejuízos econômicos e produtivos para o país.

Um dos principais problemas da abordagem atual é o risco de uma definição restritiva de sustentabilidade, que exclua sistemas produtivos que têm grande impacto positivo na redução das emissões de gases de efeito estufa e na conservação dos solos, mas que não atendam a critérios estritamente normativos da TSB.

O Papel da Agropecuária na Economia e Sustentabilidade

O setor agropecuário é um dos pilares da economia brasileira, representando cerca de 24% do PIB e empregando aproximadamente 28,6 milhões de pessoas.

Além disso, o Brasil é um dos líderes globais na produção sustentável de alimentos, com práticas como o plantio direto, a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) e a utilização crescente de bioinsumos.

Qualquer proposta de financiamento e incentivo baseada na sustentabilidade deve priorizar não apenas os aspectos ambientais, mas também a segurança alimentar e a geração de emprego e renda no campo.

Por outro lado, a definição da sustentabilidade baseada apenas em padrões internacionais pode marginalizar a realidade da produção brasileira.

A TSB, por exemplo, se baseia em critérios que podem penalizar produções tradicionais e de pequeno porte que ainda não conseguiram incorporar todos os padrões exigidos.

Isso pode levar a uma exclusão financeira desses produtores, limitando o acesso ao crédito e a incentivos fundamentais para a modernização do setor.

Insegurança Jurídica e Impactos no Financiamento

Um dos pontos mais críticos da TSB é a restrição ao financiamento de atividades agropecuárias que envolvem qualquer tipo de supressão de vegetação nativa, mesmo que dentro dos limites legais do Código Florestal.

O Brasil já possui uma das legislações ambientais mais restritivas do mundo, exigindo a manutenção de reservas legais e áreas de preservação permanente.

Criar barreiras além das já existentes pode gerar insegurança jurídica e dificultar ainda mais o acesso a crédito para os produtores.

Essa abordagem ignora o princípio de transição sustentável, que deve levar em consideração não apenas critérios ambientais, mas também aspectos socioeconômicos.

A inclusão de atividades de recuperação ambiental e incentivos para a adoção progressiva de práticas mais sustentáveis seriam soluções mais adequadas do que simples vedações ao financiamento.

A Importância da Interoperabilidade e da Adaptação Nacional

Outro desafio da TSB é sua harmonização com outras taxonomias internacionais.

A Europa, por exemplo, tem adotado critérios específicos baseados em sua realidade, o que nem sempre se aplica ao Brasil.

O modelo europeu de sustentabilidade é voltado para uma agricultura de pequena escala e altamente subsidiada, enquanto o Brasil opera em um contexto de grande extensão territorial, alta produtividade e necessidade de inovação tecnológica para reduzir impactos ambientais.

A busca por uma taxonomia que possa dialogar com padrões internacionais é positiva, mas isso não pode significar a imposição de regras que desconsiderem as especificidades nacionais.

O Brasil tem condições de desenvolver uma taxonomia sustentável própria, alinhada à sua legislação e realidade econômica, e que ao mesmo tempo seja reconhecida globalmente.

Essa abordagem garantiria que o país continue atraindo investimentos e fortalecendo seu papel como líder em produção agropecuária sustentável.

Conclusão: Sustentabilidade com Pragmatismo

A construção de uma taxonomia sustentável para o Brasil é um passo essencial para consolidar o país como protagonista no desenvolvimento sustentável global.

No entanto, essa construção precisa ser feita com base na realidade brasileira, e não em imposições externas que podem comprometer a produtividade e a segurança alimentar.

Ao invés de adotar uma abordagem excludente, a TSB deve priorizar mecanismos de transição sustentável, permitindo que produtores de diferentes portes e regiões possam se adaptar progressivamente a padrões ambientais mais rigorosos.

Para isso, é fundamental garantir segurança jurídica, acesso ao financiamento e incentivos para a adoção de práticas sustentáveis.

Sustentabilidade não pode ser sinônimo de exclusão econômica.

Para que a TSB seja bem-sucedida, ela precisa ser um instrumento de inclusão e de desenvolvimento, garantindo que a produção agropecuária brasileira continue sendo uma referência global em eficiência e responsabilidade ambiental.

 

  • Artigo escrito por Luís Eduardo Pacifici Rangel, Conselheiro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), Engenheiro Agrônomo, Ex-Secretário de Defesa Agropecuária e Ex-Diretor de Análise Econômica e Políticas Públicas do MAPA.

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