Fabricação de chocolate e fomento ao turismo rural estabelecem nova rota para o cacau em SP

Região noroeste paulista começa a se firmar na produção do fruto e já implementa estratégias para agregar valor

A paisagem da região noroeste do Estado de São Paulo começa a ganhar um novo visual. Com tons de verde, roxo, amarelo e laranja, que, misturados, ganham cor de chocolate. Aliás, não apenas cor. Aroma e sabor também.

No ano passado, o cacau começou a fincar raízes nessa terra. Resultado de um trabalho iniciado pela Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI), que, em 2014 – em parceria com a Associação Comercial de São José do Rio Preto-SP (ACIRP) e apoio da Fundação Cargill e da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) –, buscava uma alternativa ao cultivo de seringueiras, que enfrentava uma grave crise por causa da alta competição no mercado internacional e da consequente redução do preço do látex.

O coordenador da CATI, Ricardo Pereira, explica que a situação dos seringais gerou muita preocupação – já que Rio Preto está no centro da maior região produtora de látex do país. Era preciso, naquele cenário, estudar uma intervenção. Surgiu, então, a ideia de apostar no cacau. Primeiro porque o clima do noroeste paulista é parecido com o do sul da Bahia, tradicional produtor e responsável por cerca de 70% dos frutos colhidos no país. Segundo porque o cacau, para se desenvolver, necessita de conforto térmico, o que seria garantido pela sombra das seringueiras.

Aos poucos, o espaçamento entre as seringueiras foi sendo adequado às condições exigidas pelo cacau para potencializar a produtividade. Também foram experimentados consórcios com outras plantas, como o açaí e a banana. “Nesse caso, planta-se primeiro a banana e, quando ela dá sombra, entra com o cacau”, explica Ricardo.  Também é usada uma espécie de eucalipto como quebra-vento: a Corymbia torelliana.

Ainda de acordo com o coordenador, o Estado de São Paulo já havia plantado cacau na década de 1970, no Vale do Ribeira e no Litoral, que concentravam, juntos, 700 hectares. Na época, o incentivo era dado pelo Programa de Expansão do Cacau em São Paulo (PECASP), que acabou perdendo força.

Até que, em 2014, o programa foi revitalizado, com o nome de Cacau SP, para difundir tecnologias e capacitar produtores e técnicos para a implementação do fruto no noroeste paulista. Com o sucesso da iniciativa, o objetivo é retomar, também, a produção nas antigas áreas litorâneas e do Vale do Ribeira. “Com uma diferença. Nesses lugares, não é necessária a irrigação. Já no noroeste do estado, sim”, afirma Ricardo.

O cacau é originário das Américas Central e do Sul. Os maias e os astecas teriam sido, há 3.900 anos, os primeiros povos a cultivar o fruto, cuja cor da casca muda conforme a variedade. De acordo com o MAPA, o Brasil tem a sexta maior produção mundial. São cerca de 600 mil hectares, mantidos por 75 mil produtores, dos quais 60% da agricultura familiar. Em 2023, as indústrias nacionais processaram 220 mil toneladas de amêndoas – a matéria-prima do chocolate –, crescimento de 7% na comparação com o ano anterior. Apesar disso, o país não é autossuficiente, o que representa um potencial de crescimento.

Ricardo Pereira explica que programa de incentivo ao cacau em São Paulo foi revitalizado para oferecer alternativa aos seringais (Divulgação)

Fábrica de chocolate

O Estado de São Paulo soma, atualmente, pouco mais de 400 hectares. O reconhecimento de que a região noroeste paulista apresenta condições favoráveis ao cultivo do fruto foi oficializado pelo Zoneamento para Plantio de Cacau no Estado de São Paulo, estabelecido pelo MAPA em 2019.

Em 2023, Mendonça-SP entrou na história. O município já integrava o programa estadual Cozinhalimento, que disponibiliza uma estrutura para a realização de cursos voltados à alimentação saudável. A condição era propícia para uma ampliação das atividades, com a inserção da fabricação de chocolate, por meio de equipamentos cedidos pela parceria liderada pela CATI.

Conforme o administrador público Guilherme Serrano Rocha, da Casa da Agricultura de Mendonça-SP, isso motivou o lançamento da Rota do Cacau, para incentivar, aliado ao plantio do fruto, o turismo rural. Inicialmente, a opção mais viável para receber o cultivo do cacau foi o bairro rural de Aiuruoca, conhecido por suas belezas naturais e históricas, onde as primeiras 400 mudas foram introduzidas. O bairro tem localização estratégica, na estrada entre Mendonça, onde começa a rota, na Praça da Matriz, e Adolfo-SP, que abriga uma estação experimental do fruto, ponto de chegada.

“Quando há a possibilidade de apostar numa nova cultura, os agricultores ficam, geralmente, meio com o pé atrás, porque, se não der certo, eles perdem terras que poderiam receber outros tipos de produtos. Mas, com apoio técnico, disseminação de conhecimento e incentivo a práticas sustentáveis, conseguimos demonstrar o que era o cacau e introduzi-lo no município”, conta Guilherme. “Quando a gente vai às feiras e diz que o cacau é do Estado de São Paulo, o pessoal desacredita”.

Desde 2021, a Prefeitura de Mendonça e a Coordenadoria Municipal de Agricultura, Pecuária e Abastecimento desenvolvem ações educativas por meio de parcerias como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), como oferta de cursos relacionados a empreendedorismo, turismo rural e produção de alimentos artesanais para agricultores do Aiuruoca e de outros bairros, já que uma das propostas é expandir o plantio para outras áreas da cidade.

Esses encontros abriram caminho para a formação do grupo de Mulheres Empreendedoras do Bairro Aiuruoca, que têm se engajado para oferecer os produtos ao longo da rota e diversificar o uso da terra. Para a produção do chocolate, as empreendedoras podem usar o maquinário da Casa da Agricultura, mediante agendamento.

Como as lavouras em Mendonça ainda não deram frutos – os primeiros estão previstos para 2025 –, as amêndoas são compradas de dois produtores de José Bonifácio-SP e um de Tabapuã-SP, cidades do entorno.

A prefeitura também começou a adquirir a matéria-prima para produzir barras de 10 gramas de chocolate, que, a cada 15 dias, são distribuídas na merenda escolar. Com essas iniciativas, a perspectiva é que mais agricultores entrem na atividade. “Estamos buscando criar um ciclo completo envolvendo a cadeia do cacau: agricultura, turismo e nutrição”, explica Guilherme.

Enquanto aguardam primeira safra de cacau, empreendedores de Mendonça compram amêndoas de outros municípios (Banco de imagens)

Adesão

A agricultora Simoni Fernanda Caldeira e a mãe dela, Francisca de Fátima Denois Caldeira, plantaram 270 pés de cacau, consorciados com 255 de banana, em 2 mil metros quadrados. Antes da adesão ao projeto, elas não conheciam as potencialidades do fruto. “Caímos de paraquedas no cultivo. Mas a experiência tem sido fantástica”, afirma Simoni.

As bananeiras foram plantadas em dezembro do ano passado e as árvores de cacau, no último mês de maio. Mas já em agosto do ano passado, mãe e filha iniciaram a produção de chocolate, na Casa da Agricultura. Criaram uma marca, a “Denoá Cacau”, derivação do sobrenome de Francisca, e já conseguem comercializar cerca de 15 quilos de chocolate por mês, por meio de parceiros comerciais em cinco municípios da região.

O processo é todo artesanal. Da secagem das amêndoas à obtenção das barrinhas de chocolate. Elas oferecem cinco sabores e avaliam a possibilidade de lançar mais dois. Também produzem nibs e chá de cacau.

De família acostumada com a vida no campo – o pai já produziu café, laranja e mantém um pouco de milho –, Simoni ainda se surpreende com as transformações que a agricultura é capaz de promover. “É muito gratificante, e até emocionante, todo esse processo de ver a amêndoa ser trabalhada ao ponto de virar uma barrinha de chocolate”.

Quando a plantação der os primeiros frutos, Simoni e Francisca querem dar os primeiros passos para verticalizar a produção – o que vai permitir, também, aumentar a quantidade de chocolate comercializada e buscar novos pontos de venda.

Simoni Caldeira já produz cinco tipos de barras de chocolate e tem projeto para lançar mais duas (Divulgação)

Interesse acadêmico

Outro que se encantou pelas potencialidades do cacau foi Diego Francisco Ferreira da Silva. Ele é formado em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP). Vivia na capital paulista, mas, durante o pico da pandemia de Covid-19, voltou para Mendonça para se refugiar no campo.

A família está na sexta geração de agricultores. Desde a época em que os antepassados, italianos migraram para o Brasil para trabalhar nas lavouras de café. O avô materno, Osvaldo Persegil, cultivava milho, seringueira e criava gado, atividades que foram, aos poucos, sendo delegadas para a filha, Jucileide, o genro, Edmar, e o neto, Diego.

O plantio experimental de cacau foi feito em fevereiro deste ano, quatro meses depois da banana – que já teve a primeira safra colhida. Foram mil cacaueiros em um hectare. Até o final deste ano, a objetivo é inserir mais mil pés.

Diego conta que, em 2022, chegou a fazer um trabalho da faculdade e percebeu que a cultura tinha força para despontar. Agora, além dos planos de ampliar o cultivo, está construindo um projeto de pesquisa, em parceria com a CATI, para avaliar, entre outras questões, variedades e tipos de adubação mais adequados. Almeja, também, fazer um mestrado sobre o perfil dos produtores de cacau da região.

Diego também já produz chocolate na Casa da Agricultura. Criou, junto com a mãe, a marca “Ju Cacau”, uma homenagem a ela. E, daqui a um ano, quando colher a primeira safra de cacau, quer incentivar visitas à propriedade, para que os turistas conheçam o sistema de produção, caminhem por entre as árvores, apreciem o consórcio e o equilíbrio com outras plantas, e experimentem o chocolate.

São ideias que comprovam as mudanças nas cores da paisagem e nos cheiros e gostos que brotam da terra. Mas não só. Todo esse movimento tem sido importante para impulsionar o desenvolvimento da economia local e regional.

“O cacau tem tudo para ser uma fonte de renda interessante, por causa do alto valor agregado e do manejo facilitado. Veio para ocupar uma lacuna que existia no noroeste paulista de produtos com esses tipos de características e, com isso, dar uma alavancada no setor agropecuário”, acredita Diego.

Agro World 

Esta reportagem pode ser conferida, também, na 3ª edição da Revista Agro World, lançada agora em dezembro. Para ver a edição na íntegra, basta clicar aqui.

Diego plantou mil pés de cacau em consórcio com a banana e constrói projetos de pesquisa sobre opções de manejo (Banco de imagens)

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